Umm Gazala
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Raros pontos altos
tem o Alentejo; mas
sempre que me
posiciono no topo
de um deles, sinto
a vertiginosa vontade
de gritar: daqui eu vejo
toda a grandeza do mundo!
É preciso pensar que existe mais;
se não sairmos do nosso lugar
não podemos esperar nada
e não sabemos como
caminhar,
sonhar
ou até mesmo, voar!
Nascem flores no céu
sempre que a terra chove.
A água cai torrencial e
mata a sede dos anjos,
pinta as nuvens de verde
e evapora a fraca descrença.
A linha no horizonte
reflecte um sopro de luz;
todos sustentam a hipótese
sobre o regresso dos que sonham ter
as nuvens no céu e as flores na terra.
E cheios de esperança vão
os que ousaram criar
o novo mundo.
Não há melhor lugar
senão aquele onde o tempo
caminha sem nunca chegar,
onde o céu abraça a luz
e onde a terra é da cor
dos olhos de quem a vê.
Não há nada melhor
do que ter simplesmente um lugar.
Pode estar vazio de gente,
abundante em memórias
e em ruas desocupadas;
mas quando se encontra
um lugar assim,
apenas o amor é
motivo de regressar
para sempre aqui.
Ó Sol que raias p’la manhã cedinho,
aceita estas nossas graças,
por mais um dia com saúde
e aquece o nosso caminho.
Alimenta a terra cultivada,
mas tem avondo com a tua força,
não nos leves tanta água,
e apoia a nossa empreitada.
Quando o meio dia bater
e alcançares o teu esplendor,
lembra-te que a teu redor
há o suor que nos tenta deter.
Mesmo com uma ou duas insolações,
mesmo com a sola das botas a ferver,
podemos confiar nas intenções
que movem o teu ser.
Enquanto a noite cai
fazes sempre do mesmo jeito:
deslumbras os casais apaixonados,
aconchegas quem esteve do teu lado,
e deixas a promessa de um amanhã
trazido por inteiro.
No meio urbano
todas as horas contam,
porque todos os minutos
e todos os segundos
são contados.
A vida da criança da cidade
tem o mesmo fulgor
que a vida do adolescente,
do adulto e do velho,
em seu redor.
A criança da cidade
tem um relógio
e sabe a que horas
tem de fazer o que deve ser feito;
embora desconheça que,
o que deve ser feito,
nem sempre se enquadra
com o que realmente se deveria fazer.
O mal começa quando há hora marcada.
O mal termina quando a criança,
desprovida do seu próprio conhecimento,
passa a adolescência,
a vida adulta
e a velhice
a lutar contra o tempo.
A criança do campo
nem tão pouco sabe as horas do recolher,
mas sabe que enquanto houver sol
há coisas para aprender.
A sombra do vento
cai sobre o chaparro;
fico com a sensação
de que o calor, exausto,
se deu por vencido.
Apenas aqui me sento
porque um alentejano
só se senta para pensar.
O vento sopra
e a sombra abraça-me.
Penso em negar-lhe o momento;
atroz este meu pensamento
que espera sempre mais
de quem dá menos.
Talvez tenha sido uma má escolha;
— mea-culpa,
há mais chaparros nesta terra e
as escolhas passam a ser histórias
(e as histórias, um dia, serão vida).
Mas aqui, e agora:
só me apetece pensar.
Suavemente, assim como um sopro
que acalenta os ramos deste chaparro,
o erro faz-se soar;
desde a minha própria sombra
escuto a voz que me quer guiar.
É o vento,
é a terra,
é a natureza,
é o amarelo,
é a luz e a penumbra
e é, também, este chaparro.
Graças à desertificação deste lugar
os meus olhos desenham uma planície sem obstáculos.
Não há prédios, casas, ruas ou estradas;
não há pessoas, carros, caos ou nada.
Na verdade,
sei que anda por aí um pastor;
apesar de não o vislumbrar,
o som cintilante dos chocalhos
dança ao ritmo do cajado que
solenemente bate no chão.
Como é aconchegante estar rodeado de nada!
Sem paredes, sem ouvidos,
— só estar aqui me basta.
Fotografia de Daniel Janeiro
(entre a batalha de Ourique e a chegada a Calecute)
A sul do Tejo
fica a terra que a norte
se via muito para além
do tempo.
A jovem nação,
refém entre vales e serras,
por fim avista a luz do horizonte:
— lonjura de um sonho infinito!
Imenso latifúndio sem relevos
recompensa para lá do rio;
marcham os portucalenses
por estradas de fastio.
Parecem lírios caminhantes,
faces firmes escondem a roxa fraqueza;
cavaleiros a galope re-conquistam o ar
que agora brando se faz respirar.
Por tamanha sorte,
pela expansão do território a sul,
surge a lição derradeira:
— que pelo mar se inicie a descoberta
de uma vida inteira!
Caravelas extravagantes em curiosidade,
herança viva do Alentejo;
fosse o rio o mar e Ourique Calecute
e haveria mais esperança para além
do nosso olhar.
No sábado dia 10 de Outubro decorreu a 2ª Gala dos Autores da editora Cordel d' Prata.
Não poderia estar mais feliz por ser galardoado na categoria de Poesia!
Para além da felicidade do momento e de todo o sentimento de gratidão, o que mais posso dar é graças à vida e a todos os leitores que votaram na obra "A Cor Do Tempo".
O livro "A Cor Do Tempo" encontra-se disponível nas livrarias Bertrand, Wook e Cordel D' Prata.
A família está toda reunida em volta da braseira
que quente vai soprando a fria noite de lua cheia.
Enquanto uns conversam outros beliscam o pão,
o toucinho, o queijo e o vinho; são onze e meia
e juntos celebram o inverno que quis ser verão.
Enquanto o ar quente sobe
a braseira tenta acompanhar o calor da conversa.
Vão chegando do trabalho, cada um a seu ritmo;
penduram os casacos nas cadeiras vagas
e rápido procuram vaga na roda das conversas.
Se público houvesse, nada inteirava.
Falam alto um português distante,
trocam a faca pelo garfo e o garfo pelas mãos,
não trocam de prato quando vem a fruta
e dizem que o amor é o mais importante.
— Que estranho se vive no «interior».
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